Por Rael B. Gimenes

Luis Felipe de Oliveira foi Professor Associado da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e atuou nas gestões da ABCM por muitos anos sendo presidente de 2020 até o final de 2021 quando nos deixou, vítima de um câncer neuroendócrino. Não é comum falar de doenças em homenagens como esta, mas Felipe militou na conscientização e divulgação dessa enfermidade rara e pouco conhecida, razão pela qual a menção se faz pertinente.

 

No campo da Cognição Musical, dedicou-se a uma abordagem singular entre a Semiótica Peirceana e o conceito de significação musical. Buscava uma solução que não dependesse de formulações representacionistas, especialmente aquelas derivadas de vertentes cognitivistas fundadas na ideia de Representação Mental como uma cópia simbólica do mundo internalizada em nossa mente. Suas concepções sobre o fenômeno da mente articulavam conceitos do Emergentismo, da Cognição Dinâmica e da semiótica peirceana. Filiava-se a perspectivas fenomenológicas e dinâmicas que entendem a mente como um fenômeno emergente, existente apenas na processualidade do viver.

Conhecer Felipe por essas perspectivas não é difícil, pois suas pesquisas documentam seus esforços e ideias. Assim, peço licença para tornar este texto um pouco mais pessoal – talvez minha contribuição para que todos conheçam melhor o Luis Felipe que eu conheci, sabendo que minha visão é apenas um fragmento da personalidade complexa desse grande colega.

 

Em retrospecto, conheci Luis Felipe de Oliveira – “Felipe” para os familiares, “Luis” ou “Luizão” para os unespianos, – durante nossa graduação em Composição e Regência pela Unesp, iniciada em 1995. Compusemos e tocamos juntos em diversos grupos, desde o Festival Estudantil Inter-Unesp de MPB até o Wolf Project de Murray Schafer, nas florestas canadenses, a convite de Marisa Fonterrada, além de nossas aventuras com música eletrônica no Sónar, em Barcelona, Paris e Milão. Dessa parceria, que transcendia a amizade, nasceu nosso interesse em entender o que a música significava, e cada um seguiu pesquisando o tema à sua maneira.

Esse interesse nos levou, ainda na graduação, ao Encontro Brasileiro Internacional de Ciência Cognitiva de Marília em 1999, evento que permanece ativo até hoje e reunia pesquisadores notáveis da área com Maria Eunice Gonzales, Alfredo Pereira Junior, Mariana Broens, Lauro Frederico Barbosa da Silveira, “Pim” Haselager, entre outros. No ano seguinte, ele iniciou o mestrado em Filosofia da Mente e Ciência Cognitiva, dedicando-se a demonstrar como pesquisas musicais dialogavam com os três paradigmas epistemológicos da Ciência Cognitiva. Em seguida, fez doutorado na Unicamp, orientado por Jônatas Manzolli, com parte da pesquisa realizada no Nijmegen Institute for Cognition and Information (atual Donders Institute for Brain, Cognition and Behaviour), na Holanda, sob supervisão de Pim Haselager.

A questão da representação mental era central para Luis Felipe. Durante o doutorado, dedicou-se ao tema Representação Mental e Música, cruzando ideias de um dos maiores antirrepresentacionistas (Haselager) com as de Peirce – um esforço original que rendeu frutos interessantes, documentados em sua tese A Emergência do Significado em Música, um texto muito interessante e atual. 

Ao longo desses anos, eu, Luis Felipe, eu e o colega André Luis Gonçalves de Oliveira, escrevemos vários artigos, muitos publicados pela ABCM, abordando temas como Significação Musical e Emoção Musical em uma perspectiva não-representacionista; os problemas epistemológicos na pesquisa musical decorrentes das sobreposições entre paradigmas da Ciência Cognitiva. Em seus últimos trabalhos Felipe se dedicou a relação entre modelos de análise musical formalista (de linha schenkeriana) e os hábitos de escuta. A análise schenkeriana era uma de suas paixões: fez parte da Associação Brasileira de Teoria e Análise Musical (TeMA) e deixou pronta para publicação uma tradução de Análise Musical: Introdução à Análise Schenkeriana, de Allen Forte e Steven Gilbert.

 

Sua trajetória na ABCM começou quando participamos do primeiro SIMCAM e da Assembleia de Fundação. Para nós, estudantes, foi uma alegria testemunhar a formalização, em uma associação de pesquisa, dos esforços de Bia Ilari, Rosane Cardoso, Maurício Dottori, Diana Santiago e Rogério Budaz, que criaram um espaço para organizar as discussões sobre cognição musical antes dispersas pelo país. Após a fundação, devido à sua ida para a Holanda, Felipe afastou-se temporariamente das atividades da ABCM. Quando retornou, insisti para que se associasse e, se não me engano, por volta de 2013 ou 2014, ele ingressou e passou a integrar a diretoria como secretário.

Na ABCM, Felipe foi um grande articulador, sempre atento a conectar pesquisadores e ideias. Deixa saudades como colega, professor dedicado, compositor de obras instigantes, amigo extraordinário e pesquisador brilhante. Haveria muito mais a dizer sobre sua jornada, mas creio que esta introdução – meio homenagem, meio relato contaminado por quase trinta anos de parceria e amizade – basta para registrar o quanto a ABCM é grata por seu trabalho.

Não sei se ele aprovaria este texto; não era afeito a manifestações emotivas em público. Mas acho que diria: “Valeu, Raner!” – como sempre me chamou.